Jeferson Dalfior Costalonga

CRÔNICAS E CRONISTAS DO ORIENTE FRANCO

Introdução
As cruzadas colocaram frente a frente rivais divididos por dois credos diferentes: o cristão e o islâmico. Estudos que tratam do referido tema tendem a discutir, sobretudo, as motivações para realização daqueles eventos, com ênfase para questões políticas e econômicas. O presente trabalho tem como escopo analisar acerca das relações entre estes dois grupos no chamado Oriente Franco. Para tal proposta utilizamos crônicas escritas àquela época, por autores de distintas concepções religiosas e inseridos na cultura oriental, a saber, Guilherme de Tiro, ibn Jubayr e Usama ibn Munqidh. Tais textos nos mostram, com base nas experiências pessoais dos referidos cronistas, o quão ambíguas foram as relações.

O surgimento da Cruzada
Em novembro de 1095 o então Papa Urbano II realizou um sínodo em Clermont; esse encontro tratou, dentre outros assuntos da exortação à Primeira Cruzada. O referido evento ficou conhecido na história como o Concílio de Clermont e pode ser considerado o ponto de partida da Primeira Cruzada. Diversas demandas acerca do projeto foram deliberadas na conferência, como o período em que os cruzados deixariam a Europa em direção à Palestina, quem deveria ir, como se arcaria com os custos e, sobretudo, as indulgências concedidas aos participantes da expedição.

A tônica do discurso de Urbano II, segundo testemunhas que lá estiveram, foi expor para o público o suposto sofrimento pelo qual os cristãos do Oriente estavam expostos diante dos opressores muçulmanos e invocar os correligionários ocidentais para que fossem em socorro de seus irmãos; para isso deveriam deixar de lado suas querelas pessoais e unirem-se neste objetivo. As armas que antes empunhavam uns contra os outros deveriam ser empregadas contra um inimigo em comum. Fez uso de passagens bíblicas para ressaltar a importância de Jerusalém para a cristandade e mencionou a degradação na qual a cidade havia sido submetida. Por fim, enfatizou que o indivíduo que aderisse àquela empresa praticaria uma verdadeira obra de caridade e, como prêmio, receberia a indulgência plena: a remissão de todas as culpas. Não importava o pecado praticado ou crime cometido, o perdão estava garantido.

Em âmbito político considera-se que um pedido de ajuda feito pelo imperador de Bizâncio, alguns meses antes do Concílio de Clermont, tenha despertado em Urbano o interesse de fazer com que a Igreja Latina voltasse a predominar no Oriente. No século XI a dinastia turca dos seljúcidas se consolidava como uma das grandes forças da Ásia, e, após vencerem a Batalha de Manzikert, arrebataram boa parte dos territórios que antes pertenciam ao Império Bizantino. Receoso com uma possível investida turca contra sua capital, Constantinopla, o imperador Aleixo Comneno, de acordo com Jestice (2012), enviou uma comitiva, em março de 1095, durante o Concílio de Piacenza, para solicitar o auxílio do Ocidente na defesa da cristandade oriental e, consequentemente, de seu reino. Naquela época as Igrejas do Ocidente e do Oriente, latina e ortodoxa, já estavam separadas e, diante do apelo feito por Aleixo, o auxílio enviado por Urbano II teria sido com o intuito de fortalecer o papado e impor seu prestígio religioso e político também no Oriente.

Em âmbito econômico, considera-se que a Cruzada proporcionou a indivíduos de baixa estirpe a oportunidade de tornarem-se senhores. Naquela época vigorava na Europa a prática da primogenitura. Eram os filhos primogênitos que herdavam as propriedades e os títulos de nobreza pertencentes ao pai. Aos demais filhos restavam poucas opções: ingressavam em mosteiros e ordens religiosas ou tentavam conseguir bons casamentos com filhas de grandes senhores; como esta segunda opção se tornava cada vez mais escassa, restava a esses sujeitos recorrer à força para adquirir suas próprias terras (RUNCIMAN, 2003). Nesse caso, é plausível considerar que a cruzada se apresentou como uma excelente chance para esses indivíduos obterem riquezas no Oriente.

Os Estados Latinos do Oriente
À medida que a cruzada avançou, territórios foram conquistados à força e entregues, geralmente, para os cristãos nativos governarem. As cidades mais importantes e prósperas, todavia, se tornavam alvo de disputa entre alguns dos líderes cruzados que almejavam fundar seus próprios principados no Oriente. Neste contexto, foram fundados quatro Estados cristãos na Síria e Palestina, territórios estes que, juntos, receberam, conforme explica Runciman (2003), a alcunha de Oriente Franco.

A primeira região a ficar sob domínio europeu foi Edessa. Àquela época, a cidade era governada por Thoros, um cristão de origem armênia, que, quando soube da passagem de milhares de guerreiros cristãos que marchavam para Antioquia, solicitou a presença de um destacamento para auxiliá-lo na defesa de seu território contra possíveis ataques provenientes dos turcos seljúcidas. Sua solicitação fora atendida e o cruzado Balduíno de Bolonha se propôs a ajudar. Alguns meses depois, Thoros, que não tinha herdeiros, fora assassinado, possivelmente com a conivência de quem havia confiado a segurança de sua cidade. Balduíno assumiu o controle da região e tomou para si o título de conde. Surgiu, dessa forma, o primeiro Estado cruzado do Oriente, o Condado de Edessa.

Antioquia era o objetivo seguinte. Era repleta de simbolismo para os cruzados, pois ali o apóstolo Pedro havia pregado e naquele lugar, diz Runciman (2003), os seguidores de Cristo ganharam a alcunha de “cristãos”. Após vários meses de um penoso cerco, em 3 de junho de 1098, os cruzados conseguiram invadir a cidade. Os habitantes locais foram massacrados. Uma coalizão muçulmana ainda tentou um ataque a Antioquia, contudo, divididos em contendas internas (WATERSON, 2012), foram rechaçados pelos cruzados. Havia um acordo de entregar a cidade a Aleixo, imperador de Bizâncio, que por sua vez prometera auxiliar os cristãos nesta empreitada. Aleixo, todavia, não enviara auxilio e os cruzados acharam-se no direito de se apossarem do território. Guilherme de Tiro (2015) se regozija diante de tal fato. O cronista acredita que, caso chegasse reforços de Bizâncio, os méritos do êxito seriam creditados ao Imperador, no entanto, a ausência bizantina fez com que a glória da vitória recaísse exclusivamente sobre os cruzados. O príncipe normando Boemundo de Tarento assumiu o controle da cidade e fora fundado, então, o Principado de Antioquia.

O próximo alvo dos cruzados foi a cidade de Jerusalém, o motivo que os levara até ali. Após pouco mais de um mês de cerco, em julho de 1099, o exército cristão vence a resistência dos fatímidas, então defensores da cidade, e invadem a Cidade Santa. O que se seguiu foi um terrível massacre. Poucos foram os judeus e muçulmanos que conseguiram escapar da fúria dos francos. O duque Godofredo de Bouillon fora eleito para governar Jerusalém. Não aceitou ser designado rei, optou em ostentar o título de Defensor do Santo Sepulcro. Era fundado, então, o Reino Latino de Jerusalém, cujo os reis ostentavam uma suserania natural sobre os demais governantes latinos.

O sucesso de alguns de seus correligionários, que se tornaram importantes senhores no Oriente, motivou um dos líderes da expedição, o conde Raimundo de Saint-Gilles a buscar um território para si. Em 1103 começou a sitiar Trípoli, uma próspera cidade ao norte do Líbano. Raimundo, contudo, morreu em 1104, em decorrência de um ataque oriundo dos defensores da cidade. Trípoli resistiu até 1109, quando foi derrotada por coalizão liderada pelo rei de Jerusalém. Bertrand, filho de Saint-Gilles, fora designado para governar a cidade. O Condado de Trípoli se tornou o quarto Estado cruzado do oriente.

Relações franco-árabes
Por essa época, os principais Estados muçulmanos rivalizavam entre si. Os governantes de importantes centros, como Damasco, Alepo e Mossul, entrementes se preocupavam com possíveis investidas francas em seus territórios, demonstravam um receio maior ainda de serem atacados por seus próprios correligionários islâmicos. Quando os cruzados sitiaram Antioquia, o governante da cidade, Yaghi Siyan, enviou emissários para solicitar auxílio para enfrentar os invasores cristãos; mesmo diante de tão grave situação, muitos emires negaram o pedido de ajuda feito por Siyan. Duqaq, emir de Damasco, diz Runciman (2003), em princípio não cedeu ao apelo porque tinha enorme receio em ver sua cidade invadida por seu próprio irmão, Redwan, emir de Alepo.

Os novos condes e príncipes cristãos do Oriente, por sua vez, buscavam consolidar suas posições, muitas vezes ameaçadas por próprios cruzados estabelecidos em territórios sírios e Palestinos. Estes consideravam haver cumprido seus votos de peregrino e naquele momento almejavam conseguir riquezas e expandir domínios no Oriente. Deram continuidade às contendas já existentes na Europa entre povos de distintas nações.

Estas dissidências internas faziam aparecer, para nossa percepção contemporânea, curiosas alianças. Surgiram coalizões formadas por cristãos e muçulmanos para enfrentar outra coalizão formada também por cristãos e muçulmanos. Um desses embates ocorreu em 1108, quando Tancredo, então à frente de Antioquia, uniu forças a Redwan, emir de Alepo para juntos enfrentarem o exército liderado por Jocelin de Edessa e Jawali, emir de Mossul (MAALOUF, 1989). Poucos anos depois, conforme explica Tyerman (2010), houve a reconciliação entre os governantes de Edessa e Antioquia, selada com o casamento de familiares dos governantes destes dois territórios.

Além das alianças feitas em decorrência de desavenças internas, haviam os tratados comerciais que, invariavelmente, aproximava cristãos e muçulmanos, pois,

“A receita dos Estados francos provinha em grande parte da tributação do comércio entre o interior islâmico e o litoral. Era preciso que os mercadores muçulmanos pudessem descer livremente para os portos marítimos e fossem tratados com justiça. A partir dos vínculos comercias, desenvolveu-se uma amizade […]. Os senhores francos e muçulmanos eram com frequência recebidos com honrarias nas cortes rivais” (RUNCIMAN, 2003, p. 276). 

Ibn Jubayr
Muçulmano nascido na região da Andaluzia, o geógrafo Ibn Jubayr fez, entre 1183 e 1185, uma peregrinação a Meca. Nesta viagem, esteve em algumas regiões da Síria e deparou-se com um panorama diferente do que esperava encontrar. Jubayr (1956 apud MAYER, 2001, p. 207) constatou que em vários lugares, francos e muçulmanos se uniam, tanto para cultivar plantações como para cuidar do gado e demais animais para abate. Mencionou que administradores cristãos falavam em árabe e o convívio se dava sem atritos. Acerca de tal convívio, deixou registrado o seguinte relato:

“Todas as regiões controladas pelos 'franj' na Síria estão submetidas a esse mesmo regime: os domínios de bem de raiz, aldeias e fazendas ficaram nas mãos dos muçulmanos. Ora, a dúvida penetra no coração de um grande número destes homens que vivem em território muçulmano. Estes últimos sofrem, de fato, com a injustiça de seus correligionários, enquanto os 'franj' agem com equidade” (IBN JUBAIR 1980 apud MAALOUF, 1989, p. 174).

O senso comum nos induz a crer que com o estabelecimento dos Estados cristãos, os confrontos ocorriam de forma intensa e ininterrupta. Contudo, o discrepante relato do cronista andaluz deixa transparecer que os muçulmanos que viviam em territórios governados por cristãos gozavam de melhores condições do que os que permaneceram em regiões sob controle de seus próprios correligionários. A relação entre os seguidores de Cristo e os de Maomé era, portanto, permeado de certa consonância entre estes dois grupos. Acerca deste convívio, outro notório cronista árabe diz que “o entendimento entre eles é perfeito e a equidade é respeitada. Os guerreiros se ocupam com a guerra, mas o povo permanece em paz” (IBN AL-ATHIR 1906, apud MAALOUF, 1989, p. 193).

Usama ibn Munqidh
Usama Ibn Munqidh foi um guerreiro, diplomata e cronista; era membro da dinastia munquidita, uma família que controlava a cidade de Shaizar, na Síria. Preterido na sucessão ao posto de emir, deixou Shaizar e frequentou diversas cortes islâmicas, para as quais oferecia seus serviços em troca de vantagens pessoais. Constantemente era enviado em missões diplomáticas. Conheceu pessoalmente alguns dos grandes personagens das cruzadas, como Nureddin, Fulque de Anjou, e Saladino, além de outros membros da nobreza ierosomilitana e das ordens militares. Em uma de suas visitas ao rei de Jerusalém se mostrou admirado ao ver um milhafre, ave utilizada pelos nobres em suas caçadas; Fulque, então, lhe deu o animal de presente (MONTEFIORI, 2013).

No ano de 1140, Usama fora enviado a Jerusalém por Moinuddin Unar, governante de Damasco, para sugerir ao rei Fulque uma ação conjunta entre Damasco e Jerusalém contra Zengui, senhor de Alepo, que àquela altura começava a ganhar grande notoriedade entre os muçulmanos. Segundo a proposta, Unar arcaria com todos os custos de eventuais ataques a Alepo. Maalouf (1989) diz que o pedido de ajuda significou o reconhecimento de submissão de Damasco perante Jerusalém, no entanto, a população local aceitou o acordo, pois Zengui os amedrontava mais que os francos.

Em seus textos, Usama se mostra horrorizado com os hábitos dos francos, porém, em contrapartida, elogia a coragem e as qualidades bélicas dos ocidentais; escreve de forma favorável aos Cavaleiros Templários, de quem dizia ser amigo; os Templários, aliás, saíram em defesa do cronista de Shaizar quando este fora coagido por cristãos europeus recém-estabelecidos em Jerusalém. Usama relata da seguinte forma tal acontecimento:

“Sempre que visitava Jerusalém, tinha o costume de ir até a mesquita al-Aqsa; anexada a ela havia um pequeno templo que os francos haviam transformado em igreja. Certo dia entrei no local, os Templários, que são meus amigos, estavam lá, limparam aquele espaço e o cederam para que eu pudesse fazer minhas orações. Ao entrar, disse ‘Allahu akbar’ e me preparei para orar, quando um franco me segurou, virou meu rosto para o leste e disse: ‘é assim que oramos’. Um grupo de Templários foi em direção dele e o tirou dali. Recomecei minha oração e o mesmo franco aproveitou-se de nossa desatenção, novamente virou meu rosto para o leste e disse: ‘é assim que oramos’. Os Templários o tiraram dali novamente e colocaram-no para fora daquele recinto. Eles se desculparam comigo e disseram que aquele homem havia acabado de chegar das ‘terras francas’ e que nunca tinha visto alguém orar com a face voltada para o Oriente.” (MUNQIDH, 2008, p.147. tradução nossa).

Ao que parece, Usama ibn Munquidh era bastante considerado pelos francos, pois, conforme diz o próprio cronista (2008), era chamado de “meu irmão” por um cavaleiro que prestava serviços para o rei Fulque; este cavaleiro, inclusive, se prontificou em levar o filho deste diplomata para ser educado na Europa e também, naquele continente, receber instruções das artes da cavalaria. Apesar de reconhecer as qualidades de seus antagonistas no que se refere às artes cavaleirescas. A oferta feita pelo nobre combatente foi prontamente rejeitada

Em 1156 ocorreu um infortúnio com Usama que o deixou profundamente abalado. Nessa época prestava seus serviços para a corte fatimida do Cairo, onde proliferavam intrigas políticas entre califas e vizires, muitas fomentadas pelo próprio Usama Ibn Munqid (MAALOUF, 1989). Em uma dessas contendas se viu obrigado a deixar o Cairo. Abrigou em uma embarcação sua família e boa parte das riquezas que acumulara até então, dentre essas estava sua estimada biblioteca particular; Damasco era o destino. O navio foi atacado e capturado. A família de Usama se salvou, mas seus pertences foram tomados pelos cruzados.Anos após este incidente, escreveu que o fato de sua família ter se salvado compensou todos os pertences perdidos; no entanto, demonstrou grande consternação ao mencionar sobre seus livros. Usama Munqidh (2008) diz que a perda de seus quatro mil preciosos volumes foi uma tristeza que levou consigo até o fim da vida. A biblioteca de Usama fora confiscada por Amauri, rei de Jerusalém, que a destinou para Guilherme de Tiro, o maior dos cronistas cruzados  (MONTEFIORI, 2013).

Guilherme de Tiro
Guilherme de Tiro nasceu em Jerusalém, por volta do ano 1130. Nota-se algumas diferenças entre Guilherme, Arcebispo de Tiro, e outros cronistas ocidentais das cruzadas. Os textos de Guilherme apresentam a perspectiva de um indivíduo inserido na cultura oriental, ao passo que os demais cronistas cristãos eram sujeitos nascidos no Ocidente e que se dirigiam à Síria e Palestina como integrantes dos séquitos de nobres senhores europeus. No início do movimento cruzadista até a tomada de Jerusalém, os cristãos tinham o hábito de destruir todos os livros e demais manuscritos muçulmanos encontrados, pois consideravam diabólicos os caracteres árabes (MICHAUD, 1956). O próprio Guilherme de Tiro (2015) menciona que fizera uso de manuscritos árabes para construir sua narrativa; dentre os quais, estava parte do que sobrou do acervo de Usama. A pedido rei Amauri, Guilherme escreveu um livro no qual narrou a história do Oriente, desde os momentos que antecederam a vida de Maomé até a segunda metade do século XII. Contudo, infelizmente, tal trabalho se perdeu no tempo. Sabemos de sua existência através do próprio Guilherme, que a menciona em sua “Historia de Ultramar”.

Guilherme reconhecia virtudes em seus oponentes e vícios em seus correligionários. Em certa ocasião, segundo Runciman (2003) elogiou a piedade de líder muçulmano Nur ed-Din, por este não responder a uma agressão praticada contra peregrinos islâmicos. Observou que quando o rei de Jerusalém, Balduíno III, morreu em 1162, uma multidão de muçulmanos se juntou aos súditos cristãos e juntos choraram durante o cortejo fúnebre (MONTEFIORI, 2013). Nesta ocasião, Nur ed-Din, inclusive, fora orientado por seus asseclas a aproveitar de tal momento para atacar os cristãos, Nur ed-Din, rechaçou a proposta e disse que não poderia atacar um povo que acabara de perder um príncipe de tão nobre estirpe (RUNCIMAN, 2003). Ao contrário de Usama, Guilherme escreve de forma negativa aos Templários. Acusa-os de serem demasiadamente ambiciosos e arrogantes e de constantemente se posicionarem contra acordos de paz quando estes são contrários a seus interesses pessoais (READ, 2001).

Conclusão
Com base nos vívidos relatos de nossos supracitados cronistas, observamos que as relações entre cristãos e muçulmanos no Oriente Franco durante os dois séculos de existência dos Estados cruzados eram baseadas não apenas em incessantes conflitos bélicos, como sugere o senso comum, mas também havia períodos que vigorava tréguas, acordos e alianças de distintos tipos. Interesses econômicos e políticos se sobrepunham, na maioria das vezes, aos religiosos. Relatos como o de Usama, ibn Jobayr e Guilherme de Tiro deixam transparecer que o convívio entre ambos os grupos eram permeados por grande ambiguidade, que fazia surgir pitorescas e inusitadas parcerias. Afinidades religiosas foram deixadas em segundo plano, em detrimento de interesses políticos e econômicos. Os atritos ocorriam, principalmente, quando cristãos oriundos da Europa chegavam ao Oriente e não conseguiam compreender qualquer tipo de aproximação.

Referências
Jeferson Dalfior Costalonga é graduado em História pela Faculdade Saberes (Vitória-ES) e bacharelando no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Espírito Santo. Contato: j.costalonga@hotmail.com

JESTICE, Phyllis G. História das Guerras e Batalhas Medievais: O Desenvolvimento de Técnicas, Armas, Exército e Invenções de Guerra na Idade Média. São Paulo: M.Books, 2012.
MAALOUF, Amin. As cruzadas vistas pelos árabes. 2. Ed. Tradução de Pauline Alphene e Rogério Muoio. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.
MAYER, Hans Eberhard. Historia de las cruzadas. Traducción de Jesús Espino Nuño. Madrid, Istmo, 2001.
MICHAUD, Joseph François. História das Cruzadas, Vol. 1. Tradução de Vicente Pedroso. São Paulo: Editora das Américas, 1956.
MONTEFIORE, Simon Sebag. Jerusalém: a biografia. Tradução de Berilo Vargas e George Schlesinger. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
MUNQIDH, Usama ibn. The Book of Contemplation: Islam and the Crusades. Traduzido em inglês por Paul M. Coob. Penguin Classics: Londres, 2008.
READ, Piers Paul. Os Templários. Tradução de Marcos José da Cunha. Rio de Janeiro: Imago. 2001.
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas Vol. II: O Reino de Jerusalém e o Oriente Franco. Tradução de Cristina de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
TIRO, Guilherme de. Historias de Ultramar: Antecedentes y proclamación de La Primera Cruzada. El camino y La conquista de Jerusalén. Tradução em espanhol por Lorenzo Vicente Burgoa. Murcia: ADIH, 2015.
TYERMAN, Christopher. A guerra de Deus: uma nova história das cruzadas, Vol. 1 Tradução de Heloisa Gonçalves Barbosa. Rio de Janeiro: Imago, 2010.
WATERSON, James. Espadas sacras: Jihad na Terra Santa, 1097-1291. Tradução de Giancarlo Soares Fereira. São Paulo: Madras, 2012


18 comentários:

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  2. Na sua fala "Afinidades religiosas foram deixadas em segundo plano, em detrimento de interesses políticos e econômicos" é possível perceber que, para além dos anos correspondentes as Cruzadas e a afirmação do cristianismo, os contatos diplomáticos prevaleceram, como é o caso envolvendo Henrique III e Tamorlán. Ademais, gostaria de saber se no Oriente Franco, durante as cruzadas, prevaleceram a diplomacia e os interesses políticos, ou se a religião se sobrepôs a este aspecto, fazendo com que houvessem mais disputas do que acordos. Ou seja, a partir de suas referencias e bibliografia, o Sr. percebe mais relatos contendo relações diplomáticas ou mias relações belicosas?

    Sofia Alves Cândido da Silva

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    1. Sofia, obrigado pela atenta leitura do texto.

      Mesmo nas relações belicosas havia diplomacia, vide o acordo de coalizão de Damasco e Jerusalém. Há outros exemplos. Em 1167 a corte fatímida do Egito, já em seu ocaso, propôs pagar um tributo anual ao rei de Jerusalém para defender o Cairo de Estados muçulmanos rivais. Em certa ocasião, já no contexto da Terceira Cruzada, Ricardo Coração de Leão propôs um casamento entre sua irmã, Joana, e Melek el-Adel, irmão de Saladino. Dessa forma, segundo Ricardo, haveria um governo conjunto de Jerusalém. No entanto, as negociações não prosseguiram por muito tempo.

      O que tento dizer no texto é que o senso comum nos induz a crer que durante as Cruzadas as relações entre cristãos e muçulmanos no Oriente eram marcadas de intensos e incessantes conflitos entre estes dois grupos; contudo, os cronistas da época deixam transparecer, através de seus relatos, que mesmo em meio de intermitentes conflitos bélicos havia considerável entendimento, conforme relatos de Ibn al-Athir e Ibn Jubayr.

      Att,
      Jeferson Dalfior Costalonga

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  4. Durante o texto foi citado que, no momento da conquista da cidade da Antioquia, havia um acordo que não foi respeitado entre os cruzados francos e o imperador bizantino. Gostaria de saber, desta forma, mesmo não sendo o enfoque do texto, como desenvolveu a posterior relação entre os recém criados estados francos e o império bizantino? Se também se deu nos mesmos moldes do que a relação entre francos e muçulmanos.
    Gabriel Toneli Rodrigues

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    2. Gabriel, obrigado pela leitura do texto e pela pergunta.

      Realmente, havia um trato que não foi respeitado. Só não há como responder quem o descumpriu primeiro. O acordo consistia em o Imperador, suserano, fornecer provisões e tropas ao exército cristão; em contrapartida, os cruzados, seus vassalos, lhe restituiriam os territórios que pertenciam ao Império Bizantino antes de serem tomados pelos muçulmanos. Tal pacto foi respeitado inicialmente. A importante cidade de Niceia, por exemplo, foi retomada por Aleixo. Antes de tomarem Antioquia, os cruzados já não contavam mais com o auxílio de Aleixo. Julgaram, então, encerrado o acordo e, portanto, desobrigados a devolver os territórios conquistados ao Imperador. Aleixo, por sua vez, acusou-os de traição.
      As relações entre francos e bizantinos ocorriam sem maiores embates. Cientes da superioridade econômica e militar de Bizâncio, os Estados cruzados evitavam confrontos. Alguns governantes de Antioquia, como Boemundo e Raimundo de Poitiers, foram obrigados, inclusive, a se tornarem vassalos dos imperadores bizantinos. No campo da diplomacia, Amauri, para estreitar relações, casou-se com uma sobrinha de Manuel. Guilherme de Tiro, nosso citado cronista, menciona que fora enviado pelo rei Amauri, rei de Jerusalém, à Bizâncio para propor ao imperador Manuel I uma ação conjunta contra o Egito.

      Att,
      Jeferson Dalfior Costalonga

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  6. Boa noite parabéns pelo trabalho. Conforme o seguinte trecho: "durante os dois séculos de existência dos Estados cruzados eram baseadas não apenas em incessantes conflitos bélicos, como sugere o senso comum, mas também havia períodos que vigorava tréguas, acordos e alianças de distintos tipos."
    Como ocorriam esses acordos? Quais os principais?
    Quais foram as principais conquistas nas cruzadas?

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    1. Olá, Beatriz. Obrigado pela leitura do texto e pela pergunta.

      Os tratados ocorriam conforme a conveniência de cada governante cristão ou islâmico. Haviam alianças bélicas, acordos comerciais e até mesmo pactos de não agressão. Se um emir se sentisse ameaçado por um correligionário islâmico, por exemplo, ele não exitava em estabelecer tais acordos com os chefes francos.

      A meu ver, não houve nenhum tipo de conquista perene. No máximo, retardou em alguns séculos a queda de Constantinopla. Apenas há que se considerar que a atuação das Repúblicas Marítimas Italianas nas cidades portuárias sírias e palestinas deu impulso ao comércio da região naquela época.

      Jeferson Dalfior Costalonga

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    2. Obrigada pela explicação, novamente parabéns pela pesquisa.
      Beatriz Oliveira Fontenele

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  7. O texto traz a informação de casamento entre familiares de Edessa e Antioquia, bem como há em uma das respostas o fato da tentativa de casamento entre a irmã do Rei Ricardo Coração de Leão e o irmão de Saladino. Nesse aspecto, o que relatam os cronistas sobre o “casamento” em geral da população vinda da Europa com a população local (entre cristão e islâmico)?

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    1. Caro Luiz Adriano, obrigado pela pergunta.
      Há relatos de matrimônios entre cristãos latinos com cristãos ortodoxos. Fulcher de Chartres, cronista da Primeira Cruzada menciona que vários europeus casaram-se com cristãs orientais. Balduíno II, rei de Jerusalém, teve como rainha Morfia, uma nobre de origem armênia.
      Ibn Jubayr, ao passar por Acre, diz que se deparou com uma cerimônia cristã de casamento e se mostrou bem impressionado com a pompa da festa – e com a beleza da noiva. Sobre casamentos entre cristãos e islâmicos, não encontrei menção.

      Jeferson Dalfior Costalonga

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  9. Parabéns pelo texto Jeferson, gostei muito da leitura que fiz.
    Minha dúvida é simples, você destaca o aspecto social, econômico e político. Sobre a questão social o discurso de Urbano II foi suficiente para mobilizar toda a massa ou houveram divergência no fato do "Deus Vult"?

    Abraços.
    Att Gabriel Irinei Covalchuk

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    1. Olá, Gabriel. Que bom que tenha gostado da leitura.

      Apenas a questão social não bastaria para gerar tal mobilização, os interesses econômicos e políticos ficavam restritos a um grupo reduzido; visto que milhares de pessoas aderiram à Cruzada, estes elementos não bastariam para a grande adesão popular. O fator Jerusalém foi o principal agente da Cruzada. O historiador Alemão Hans Eberhard Mayer diz que, àquela época, uma simples menção da Cidade Santa gerava reações escatológicas e psicológicas na população. Em “O processo civilizador II”, Norbert Elias explica que o apreço dado pelos ocidentais à Terra Santa gerou uma espécie de pressão social por sua reconquista e apesar da relevância das questões sociais e econômicas, a Cruzada apenas aconteceu por causa da estima por Jerusalém. Urbano II, exímio orador, enfatizou bastante sobre a suposta degradação a que a Cidade havia sido submetida. Ademais, a Cruzada era uma empreitada demasiadamente onerosa e foi custeada exclusivamente pelos grandes senhores europeus. Financeiramente, estes tinham mais a perder do que a ganhar.

      Tenho um artigo, publicado em uma Revista aqui do ES, no qual abordo sobre as motivações para o advento da Cruzada. Caso tenha interesse, segue o link:

      https://www.rumosdahistoria.com/edio-atual

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    2. Ah entendi, muito obrigado Jeferson, vou ler seu artigo sim. Fico grato pela resposta e desejo sucesso nas pesquisas.

      Abração.

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    3. Muito obrigado. Um abraço!

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